21 Jul
21Jul

Vivemos tempos em que as referências simbólicas parecem cada vez mais frágeis. O que antes sustentava regras, limites e o próprio desejo — como a figura do pai — já não se apresenta com a mesma força. Não se trata apenas da perda da autoridade no mundo externo, mas de algo que também atravessa o mundo interno. Na neurose, essa fragilidade se expressa intensamente: não mais o confronto direto com a figura paterna, mas uma dificuldade enorme de desejar sem culpa, de agir sem medo. O neurótico muitas vezes permanece suspenso entre o desejo e a paralisia, como se aguardasse por uma autorização que nunca vem. Um dos discursos marcantes da contemporaneidade é o imperativo do gozo: um chamado constante à satisfação plena e à felicidade sem limites. Esse imperativo não apenas desregula o desejo, como interfere diretamente nos cuidados primários do sujeito, afetando desde a constituição da subjetividade até sua forma de lidar com o sofrimento. Muito se fala, hoje, sobre a queda da função paterna e o declínio do Nome-do-Pai. Mas como a psicanálise responde a essa constatação em sua prática clínica com neuróticos? E de que maneira isso incide, de fato, sobre a vida de um sujeito? Partindo dessas questões, tomei como base os ensinamentos do professor João Vitor Jaeger, em aula sobre estruturas clínicas, e também algumas referências fundamentais da psicanálise. Meu objetivo não é esgotar o tema, mas entrelaçar a transmissão do professor com atravessamentos que emergem no consultório e nas novas formas de subjetivação observadas na neurose. É importante retomar o que Freud apontou sobre a origem da neurose como resultado de uma tensão entre o desejo do sujeito e a renúncia exigida pela civilização, em nome de seus ideais. Em O mal-estar na civilização (1930), ele escreve: “descobriu-se que uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de felicidade.” (FREUD[1], 2010, p. 81) A psicanálise nos ensina que o sujeito neurótico se organiza a partir de uma lei simbólica, que pode se apresentar sob diversas formas — seja na religião, na política ou na cultura. Lacan conceituou essa lei como Nome-do-Pai: o significante que opera como mediador entre o desejo do sujeito e o desejo do Outro, introduzindo um corte necessário que permite ao sujeito sair do acoplamento com a onipotência materna. “O pai simbólico é o Nome-do-Pai. Este é o elemento mediador essencial do mundo simbólico e de sua estruturação.” (LACAN[2], 1998, p. 265) No entanto, como apontam autores como Charles Melman (2003), o mundo contemporâneo parece substituir o interdito pelo excesso de permissividade. O que marca o sujeito não é mais o “não” simbólico, mas a ausência de fronteiras claras. O ideal de um sujeito que pode tudo — e que deve ser feliz a qualquer custo — acaba por excluir o espaço necessário para a falta e o desejo. Éric Laurent (2005) também chama atenção para essa virada, indicando que o supereu contemporâneo não ordena mais “não gozarás”, mas sim “goza o tempo todo”. O sujeito da neurose, hoje, encontra-se então às voltas com um duplo impasse: por um lado, a culpa por não conseguir responder a esse chamado à felicidade plena; por outro, a paralisia diante do desejo, justamente por não haver mais o interdito que antes o organizava. A clínica psicanalítica, nesse contexto, torna-se um espaço ético onde é possível sustentar a escuta da singularidade, restituir os contornos simbólicos e possibilitar que o sujeito se responsabilize por seu desejo.   O sujeito neurótico na contemporaneidade vive um paradoxo: ao mesmo tempo, em que é atravessado por um discurso que promete liberdade e satisfação irrestrita, experimenta uma intensificação do sofrimento, da culpa e da paralisia diante do desejo. A queda da referência simbólica tradicional, como a função paterna, não elimina a estrutura — mas transforma profundamente as formas como ela se manifesta. Nesse cenário, a psicanálise mantém sua potência ética: oferecer ao sujeito a possibilidade de se responsabilizar por seu desejo sem estar capturado pela demanda do Outro ou pelas imposições do superego contemporâneo. Reconhecer a falta como constitutiva e operar com os limites do gozo são movimentos fundamentais para que o sujeito possa sustentar uma posição desejante, ainda que atravessada pelas exigências do mundo. O manejo clínico com o neurótico exige escuta atenta à singularidade do sintoma, mas também à forma como esse sintoma se relaciona com os imperativos culturais do nosso tempo. Nomear esse deslocamento — do interdito ao imperativo — é já um passo no trabalho analítico, pois permite reintroduzir a pergunta: o que é que você quer, de fato, para além do que dizem que você deve querer? 

REFERÊNCIAS: FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 

LACAN, Jacques. Os escritos técnicos de Freud: o seminário, livro 1 (1953-1954). Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 

LAURENT, Éric. A psicose ordinária e outras entrevistas. Tradução de Neusa Macedo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MELMAN, 

Charles. O homem sem gravidade: o mal-estar na pós-modernidade. Tradução de Cláudia Berliner. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.

 Texto: Camile R. Martins / Psicanalista Clínica


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