O diagnóstico lacaniano, fundamentado na obra de Freud e desenvolvido por Lacan, diferencia-se do modelo descritivo do DSM-5, que categoriza sintomas como transtornos. Na psicanálise lacaniana, os sintomas são manifestações do inconsciente que revelam uma das três estruturas psíquicas: neurose, psicose ou perversão. Essas estruturas, presentes em Freud de forma menos sistematizada, foram organizadas por Lacan para orientar a prática clínica.
Diferentemente da anamnese tradicional, que busca enquadrar o paciente em tratamentos padronizados, o diagnóstico lacaniano guia o analista na condução da transferência, ajustando sua posição conforme a estrutura do sujeito. Essa abordagem é essencial para evitar manejos inadequados, como tratar um paciente psicótico como neurótico, o que pode desencadear crises, como surtos psicóticos.
As três estruturas fundamentais são:
Neurose: Caracterizada pelo recalcamento, inclui subestruturas como histeria (de angústia ou conversão), neurose obsessiva e fobia, cada uma com sua relação específica ao desejo.
Perversão: Marcada pelo desmentido, uma negação parcial da realidade.
Psicose: Definida pela foraclusão, a exclusão do significante Nome-do-Pai, que compromete a inscrição do sujeito no registro simbólico.
O diagnóstico lacaniano não segue um tempo cronológico, mas um tempo lógico, baseado na compreensão da estrutura do sujeito, e não no número de sessões. As entrevistas preliminares são cruciais para identificar a estrutura, exigindo cautela para evitar conclusões precipitadas. Esse processo reflete a temporalidade subjetiva do inconsciente, como descrito por Lacan em O Tempo Lógico e a Asserção de Certeza Antecipada.
Enquanto o DSM-5 categoriza sintomas para um diagnóstico descritivo, a psicanálise lacaniana investiga a causa estrutural, identificando como o sujeito se posiciona em relação ao recalcamento (neurose), à foraclusão (psicose) ou ao desmentido (perversão). O diagnóstico estrutural é um processo contínuo, refinado pela escuta do discurso do paciente e pela análise da transferência.
O diagnóstico lacaniano é uma ferramenta clínica precisa que orienta o manejo terapêutico com base na estrutura psíquica do sujeito. Requer paciência, rigor e escuta atenta, evitando erros que possam comprometer o processo analítico. A compreensão das estruturas neurose, psicose e perversão permite ao analista adotar uma posição adequada, promovendo um trabalho clínico ético e eficaz.
Texto: Carlos A.Toigo | Psicanalista Clinico e Neuropsicanalista
Nem toda dor aparece chorando. Algumas se disfarçam de argumentos.
A racionalização é um mecanismo de defesa que tenta dar lógica ao que, no fundo, é afeto.
Quando um namoro termina, por exemplo, e a pessoa diz:
“Foi melhor assim, eu estava sem tempo mesmo" ou então, "eu nem gostava tanto dele(a) mesmo".
Talvez ela esteja fugindo da dor, da rejeição, do luto.
Justificar é mais fácil do que sentir. Mas o que não é sentido retorna. E pode seguir nos bastidores, sabotando o presente.
Na análise, a gente aprende a escutar o que ficou encoberto, velado. Porque tem dor que não quer explicação. Só quer ser ouvida.
Texto: Camile R. Martins / Psicanalista Clínica
A repressão é um dos conceitos fundamentais da psicanálise, formulado por Sigmund Freud. Trata-se de um mecanismo de defesa que tem como função proteger a mente de pensamentos e memórias perturbadoras, que muitas vezes estão ligadas a experiências traumáticas ou desejos inaceitáveis.
Quando uma emoção, desejo ou lembrança é reprimido, ele não desaparece. Em vez disso, permanece no inconsciente, influenciando nosso comportamento, emoções e até mesmo nossas escolhas de vida, sem que tenhamos consciência disso.
Sabe quando alguém joga a sujeira para debaixo do tapete?
Pois então, em algum momento ela tomará uma proporção tão grande ao ponto da pessoa tropeçar.
Freud acreditava que a repressão era essencial para o desenvolvimento do ego, permitindo que lidássemos com as exigências da vida cotidiana. No entanto, quando os conteúdos reprimidos emergem, podem causar angústia e manifestar-se em sintomas neuróticos.
A psicanálise busca trazer esses conteúdos à consciência, permitindo que o indivíduo os enfrente e, assim, promova a cura emocional. Ao compreender a repressão, podemos começar a entender melhor nossas motivações e, consequentemente, a nós mesmos.
Texto: Camile R. Martins / Psicanalista Clínica
A formação reativa é um mecanismo de defesa utilizado pelo ego para lidar com impulsos considerados inaceitáveis pelo superego, a instância psíquica formada por valores morais e normas sociais que nos permite conviver em sociedade. Quando desejos inconscientes entram em conflito com as exigências do superego, o ego resolve essa tensão transformando esses impulsos em seu oposto. Assim, o que inicialmente seria amor ou desejo por alguém pode se manifestar como ódio ou rejeição. Dessa forma, muitos casos de ódio observados nas relações podem, na verdade, ser expressões de amor ou desejo reprimidos, transformados pelo mecanismo da formação reativa.
Texto: Carlos A.Toigo | Psicanalista Clinico e Neuropsicanalista
A projeção é um mecanismo de defesa do ego no qual o indivíduo atribui a outra pessoa ou objeto externo conteúdos internos, como sentimentos ou impulsos, que ele não deseja enfrentar. Esse processo permite que a pessoa evite lidar com questões ou emoções difíceis, como raiva ou inveja, por exemplo. Ao projetar esses sentimentos para fora de si, o indivíduo cria a ilusão de que não precisa enfrentá-los, reduzindo temporariamente a ansiedade. No entanto, a projeção pode gerar problemas nos relacionamentos, pois distorce a percepção sobre as outras pessoas, atribuindo a elas características ou sentimentos que, na verdade, pertencem ao próprio indivíduo. É como um espelho que deforma a imagem, refletindo conteúdos internos de forma exagerada ou equivocada
Texto: Carlos A.Toigo | Psicanalista Clinico e Neuropsicanalista
Escutamos, de maneira recorrente na cliníca, o seguinte discurso de nosso paciente: "não nasci para ter um relacionamento sério, porque quando penso que estou criando um laço seguro, a pessoa some ou eu observo que ela não era o que eu imaginava."
Com o decorrer das sessões de análise, em muitos casos, descobrimos que o nosso paciente possui a crença de que nunca terá uma relação duradoura, de que não é digno de ser amado pelo outro.
No percurso de análise, conduzimos o analisando para que pratique a associação livre, incluindo em seu discurso os registros mnêmicos de sua infância e então...."BINGO". Descobre-se que o paciente viveu seus primeiros anos de vida, um desamparo significativo, ou seja, criou uma lacuna em sua estrutura, pelo fato de não receber um olhar de amor suficientemente bom de seus pais(ou cuidadores primários), ou de apenas um deles.
Esse discurso do paciente nos dá notícias de uma possível interpretação, a possibilidade da "autossabotagem"( como conhecemos pelo senso comum). O analisando constrói, de forma inconsciente, um cenário que propicie o afastamento do outro ou até mesmo, procura um parceiro que demonstra desinteresse para inserir-se em um relacionamento. E, dessa forma, confirma a sua crença que a constituiu.
Texto: Camile R. Martins / Psicanalista Clínica
Às vezes, na clínica, as pessoas pedem uma coisa, mas na verdade querem outra. Pois é! O simples fato de alguém te pedir algo não significa que seja exatamente isso que ela quer de verdade. Às vezes, elas estão tentando dizer algo mais profundo ou não sabem exatamente como expressar o que realmente precisam. Fique atento antes de achar que entendeu a demanda do paciente e tente entender o que está por trás do pedido. Uma escuta atenta e um pouquinho de curiosidade, ou se permitir não saber, fazem toda a diferença!
Texto: Carlos A.Toigo | Psicanalista Clinico e Neuropsicanalista
O psicanalista pode denominar-se como apto a exercer essa ocupação, a partir de uma conduta fundamental que abrange o cumprimento de um tripé psicanalítico, o qual constitui-se em teoria, análise pessoal supervisão clínica. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, relatou em seu texto de 1926, “A questão da análise leiga”, que a base para exercer a psicanálise é a análise pessoal.
Nesse período, existia o questionamento de alguns médicos de que somente esses profissionais poderiam exercer a prática, contudo Freud defendeu com propriedade e, demostrou através de sua vivência clínica que o diploma não proporciona a experiência que somente uma análise pessoal possibilita.
É fundamental que o estudante de psicanálise, interessado em abrir sua clínica, seja de forma presencial ou online, esteja imbuído, periodicamente, a colocar-se na posição de analisando, paciente.
Dessa maneira, será adquirido conhecimento, compreensão da primazia do principal instrumento de trabalho de uma análise, o inconsciente.
Texto: Camile R. Martins / Psicanalista Clínica
O ato falho é um erro ou deslize involuntário que pode ganhar um significado revelador sobre algo do inconsciente do paciente.
Mas para entender o que o ato falho esconde como conteúdo inconsciente é necessário que o psicanalista preste atenção ao discurso do analisando, pois o ato falho, que é de interesse para o analista, não se manifesta como ato isolado, mas sempre dentro de um contexto da narrativa, que é manifesto por ele e percebido através da atenção flutuante do psicanalista.
Tendo isso em mente, trocar ou esquecer um nome dentro de uma narrativa que está em curso, quando o controle do discurso está flutuando, ou seja sem muito controle do consciente, abre uma janela para o inconsciente se manifestar através de um esquecer ou trocar nomes por exemplo. A partir dessa manifestação involuntária cabe a psicanalista não desenvolver uma réplica, oferecendo uma interpretação imediata e afoita, mas sim ser curioso sobre essa janela de oportunidade: "o que você quis dizer quando manifestou esse ato falho?" ou seja através de uma devolutiva questionadora deixar o paciente trazer para a linguagem o significante do conteúdo inconsciente.
Carlos Augusto Toigo | Psicanalista
Quando um analista não tem sua própria análise pessoal em dia, ele enfrenta dificuldades na identificação e na resolução de suas próprias questões não resolvidas. Isso pode se manifestar de várias maneiras, desde uma falta de consciência sobre seus próprios preconceitos e suposições até uma incapacidade de reconhecer e lidar com seus próprios padrões de comportamento e reações emocionais.
Essas dificuldades podem, por sua vez, afetar diretamente a tomada de decisão clínica. Um analista que não está em sintonia com suas próprias emoções e motivações pode ter dificuldade em compreender plenamente as complexidades emocionais do paciente. Isso pode levar a intervenções terapêuticas inadequadas ou ineficazes, prejudicando o progresso do tratamento.
Além disso, a falta de autoconhecimento pode fazer com que o analista se sinta inseguro em suas decisões clínicas, minando sua confiança profissional e gerando hesitação no momento de agir. Essa falta de confiança pode, por sua vez, impactar negativamente a qualidade do relacionamento terapêutico e a eficácia do tratamento como um todo.
Portanto, é crucial que os analistas reconheçam a importância da análise pessoal contínua como parte integrante de sua prática profissional. Ao investir no seu próprio desenvolvimento pessoal, os analistas estão não apenas fortalecendo sua capacidade de ajudar os outros, mas também garantindo uma prática clínica mais ética, eficaz e compassiva.